Encontros imediatos 09 de Setembro de 2006-09-10
Mais um dia chega ao fim, mais uma noite em beleza. Ainda estou na ressaca, tanta foi a informação recolhida acerca dos meus tempos de criança, e não só.
A visita que efectuei à minha tia foi já por si muito boa, adorei saber que já está em melhores condições, já anda, já fala e até já sorri. Custa saber que ainda existem pessoas que de tão agarradas ao dinheiro, conseguem desprezar o que de mais importante há na curta vida de cada um.
Dói ouvir o próprio filho comentar que o pai evita tudo que custe dinheiro e que seja em prol da saúde da mulher que sempre zelou pelo bem-estar dele.
Mas eu adorei vê-la e fiz o que me competia, que era no curto espaço de tempo que lá estive em dar mimos, acariciar uma pessoa chegada que sempre foi amiga, que agora num estado de doença prolongada, se esforça por não desistir da vida, dos filhos e claro de um marido que se calhar nem merecia seu esforço. Mas falando de coisas mais agradáveis, o tio Humberto e a tia Aurora também lá estavam e assim foi uma maneira de rever pessoas que já não via faz tempo. Estão no Brasil desde há muitos anos, mas sempre que podem fazem questão de regressar às origens. Outros tios existem e nas mesmas condições, e acabaram por nunca regressar. É pena, se me lembro de ouvir falar de um tio que na noite em que partiu para o Brasil, acabou por não conhecer a criança que se esforçava por nascer e quem sabe até se tivesse adiantado ligeiramente, derivado ao estado de tristeza da mãe que se despedia de um cunhado e que de certa forma as incertezas nela pairavam sobre quando seria a próxima vez que se viam.
Não, nunca mais aconteceu. Quarenta e oito anos e ele nunca mais voltou. Virou costas a quem lhe fez o favor de ajudar para que tivesse hipóteses de viajar. Estou a falar do tio Davide, hoje o nome dele calhou em conversa por varias vezes, estranhamente. Outros nomes de Emigrantes da família foram falados, mas este havia de ser motivo de conversa ainda antes de me deitar… Ninguém me fazia prever que a certa altura da noite ainda me ia encontrar com o afilhado! Foi o caso, e ninguém diga que o mundo não é pequeno! O dia chegava ao seu terminus, e mais uma vez o jantar seria na varanda, o calor era muito e como sempre nesses dias o jantar tinha de ser a céu aberto. Perdi a oportunidade de ir tirar umas fotos tão desejadas do ribeiro da terra. Lugar, esse que de tão lindo como selvagem é para mim sempre um lugar de encanto, claro que ferias são ferias, e vai-se adiando
até que depois derivado de conversas prolongadas, o tempo voa e sempre fica algo para outro dia.
O Benfica perdia por um a zero e o intervalo chegou, desloquei-me ao ciberespaço para gastar os últimos créditos, aconteceu o inesperado, a imagem do programa que usava foi-se, mas a musica continuava nos phones! A pessoa ao meu lado teclava freneticamente ao mesmo tempo que via um filme! Eu como sou muito tímido! (irónico) comentei se era normal? Estranhamente ele virou-se para mim e falou num tom estrangeirado, não percebi se estava a falar somente brasileiro ou se havia ainda algo português aprendido na escola e mal pronunciado…
Dizia que não sabia ao certo se era normal, mas que a parte de chat, sim esse desligava mal o dinheiro acabasse. Hum você é de onde? Não é português? Lá estava a minha curiosidade a funcionar… Sim, sou português, mas cresci em paris, meus pais são de cá, são de Abragão.
Ai é! Retorqui eu… É que eu sou de Abragão mas a tua cara não diz nada!
Ah sim, sou da família dos, Cabral! Conheces? Cabral! Ah sim não estou muito a ver agora quem são, mas sei que existe uma família Cabral cá na vila… Pois é eu sou filho, estou cá de ferias e estou caqui com um primo, o Davide! Ai, Davide? Mas eu tenho um primo com esse nome! Agora estava mesmo confuso, Será que estamos a falar da mesma pessoa? Estávamos mesmo, as indicações eram mais que precisas, estávamos mesmo a constatar que afinal tínhamos um primo comum… Engraçado como o mundo é pequeno! Diz o moço com ar de espantado e sorrindo imenso.
Não demorou nada e conversávamos sobre a terra, sobre os conhecimentos que restavam de uma terra que afinal nos viu nascer a ambos. Trocamos o e-mail, dei-lhe o meu blog a conhecer, a conversa era agora como se nós nos conhecesse-mos desde sempre. Os minutos passavam, até que uma cara surgiu por cima de um dos monitores! Meu Deus, era mesmo ele, a cara chapada dos Carmas! (era assim que designavam os membros daquela família)… Olá primo, tudo bem? O Davide hesitou, olhou-me mais profundamente e após alguns segundos de espanto, respondeu. Olá, mas tu és o filho do tio Joaquim? Sim, sou o Alexandre. Agora já o Artur Pedro sorria, confirmava-se que éramos mesmo da família e que as surpresas surgiam e prometiam não acabar por ali! Olha, diz o Davide… Estou ali fora na esplanada com uns amigos, querem vir para ao pé de nós? Porque não! Comentamos quase ao mesmo tempo, sorrindo. ok, venham lá e já agora o que querem beber? Panaschê para mim sff. O Artur quis super-bock. Saímos para a esplanada, qual o meu espanto! Era mesmo o Mário Geraldes! (Chamava-lhe o Marinho dos Vales) É filho do senhor arquitecto. Havia uma diferença de classes na época em que éramos miúdos. Mas o vinte e cinco de Abril mudou algumas coisas, agora já não sentia aquela diferença. Agora tratava-o por tu e nem sequer sentia complexos! Estava acompanhado da esposa e um outro homem fazia parte daquela ronda. Não me era estranho, mas mentia ao dizer que sei a que família pertence…não me descosi! Pedi licença e sentei-me juntamente com eles. Após as apresentações começou então uma conversa animada sobre os velhos tempos. Acertamos contas com as respectivas idades e o que fazíamos actualmente. Desabrochou-se então uma conversa animada sobre costumes e gentes caricatas da terra. Falamos de vários seres que marcavam épocas e costumes, de seres que por motivos vários se tornaram caricaturas da vila. A cada novo nome que surgia, eram-lhe aplicados os dotes de deficiência mental e claro um a gargalhada geral lhes seguia.
Então cada um relembrava peripécias dos mesmos, eram mais que muitos no final, desde o António malga ao Zé macieira, passando por o Zé Sofia, João rolha, Chico da boina, e outros que também tinham a sua pancada
Fiquei admirado com o que ainda lembrava o Artur! Ele que tinha saído do pais com dois anos e meio, e mesmo assim sabia parte dos nomes que dos indivíduos que mencionamos. O primo Davide que já sendo um pouco mais velho que eu, e com um conhecimento de mundos por onde viajou, hoje estava tal como resto do grupo, muito virado para o antigamente… Ninguém melhor que ele para confirmar as historias que no dia anterior minha mãe houvera contado. Falou da época em que se envergonhava do nome que era único na ainda aldeia de Abragão, falou do padrinho que já estava à longos anos no Brasil, já nem sabia ao certo quantos…Relembrei então que já eram quarenta e oito, e que o sabia muito bem porque tinha partido na noite em que eu nasci. Contou que tinha falado com uma mulher que se dizia estar apaixonada por ele e que ficou os anos todos à espera que regressasse! Ele tinha-lhe prometido casamento e até um anel lhe tinha dado, anel que guardou todos estes anos. Faleceu à relativamente pouco tempo, mostrou-lhe a rocha onde estiveram encostados a namorar na noite da partida e que foi mesmo o pai dele, do Davide que se teve de deslocar a Moiras para o lembrar que já devia estar a caminho… o que acabou por confirmar as historias que já ouvi vezes sem conta de minha família a quando de falar sobre o filho maroto, irmão de meu pai.
A cerveja na mesa quase aquecia, era de tal forma animada aquela conversa. Sentia-me muito bem, já estava à dias na minha terra e constatei que já nem conhecia assim tanta gente! Não fossem os familiares e acho que partia sem uma conversa com pessoas da terra.
Os rostos mudam, os anos não deixam ninguém para trás, Assim mudadas as feições, juntando a quantidade de gente que já não existe por motivos vários, desde do falecimento ao migrar para cidades vizinhas e até mesmo estrangeiro, a verdade é que o numero de caras conhecidas reduziu-se bastante.
Mas agora eu estava de novo integrado e a falar com gentes que conhecia e que de alguma maneira faziam parte também daquela época dourada de Abragão, época onde eu ainda fazia parte do elenco de jovens que ali nasceram e a escola frequentaram. Fiquei a saber muitas novidades sobre aquela gente, no que se tornaram, onde estavam e o que faziam actualmente.
Se uns saíram para fora, outros que outrora só usavam a vila para ferias, acabaram por vir morar para cá. Era o caso do Mário, trabalha agora na Cambra do marco de Canavezes. A esposa, fiquei sem saber ao certo o que faz! Mas deduzo que deve ser ou professora ou então medica… Mas um dia ainda saberei, agora que já nos conhecemos minimamente. Uma coisa sei. Apaixonou-se por esta terra. Sei que morava algures à beira-mar e que não tem qualquer problema e viver nesta vila onde o tempo parou para bem de quem aqui habita. A indústria ainda não ganhou contornos que assustem e assim a vila do silêncio, continua adormecida para quem passa mas muito viva para quem cá vive e desfruta de um ambiente excelente onde as pessoas se fazem cada vez mais jovens… Onde vale a pena viver…
É pura nostalgia os momentos curtos que aqui se vivem junto dos que cá vivem e contam da evolução que existindo, se faz tão disfarçadamente que só mesmo quem vem de fora é capaz de se aperceber no total.
Mais uma vez tenho de partir, e mais uma vez a saudade me invade, mais uma vez fico embriagado com o que vi, com o que ouvi e vivi.
Mais uma amizade nova e outras tantas refrescadas com encontros que chamaria de imediatos.
A maquina fotográfica não saiu do estojo, mas na memoria ficam imagens reais de um mundo á parte onde me insiro como filho e fan de paisagens
Lindas, de um rio que silenciosamente segue seu percurso sem grandes ondulações, de casas que me foram e são familiares e de outras tantas que já se parecendo com casas de cidade, deixam adivinhar uma grande comodidade e conforto e com umas vistas que só vendo com os próprios olhos se pode saber do que estou a falar.
Aquele ribeiro que sempre me fascinou, esta com um aspecto tão selvagem que um passeio pelas levadas e margens do mesmo subindo-o desde poente a nascente se vai encontrar zonas onde o convite a dar um mergulho em aguas límpidas e frescas são como uma voz do alem a chamar… Temos que resistir! É simplesmente lindo de ver, de esquecer o tumulto das cidades e imaginar-se numa floresta virgem onde se consegue imaginar que aves fazem ninho despreocupadas dos perigos e onde passarinhos recém-nascidos se devem imaginar no céu quando abrem pela primeira vez seus olhitos lindos e ciosos de viver aventuras no paraíso.
É estranho como ainda é possível num pais como o nosso onde as pessoas nem sempre são cuidadosas com a natureza, ainda se consegue formar algo que ronda a perfeição no nosso imaginário de como devia ser à mais de cem nãos atrás. Porque é a sensação que fico quando por ali passeio… Parece que recuei no tempo e espaço para voltar à natureza.
Junto todo aquele encanto e espanto num molho só, para logo de seguida sentir o imenso orgulho de estar a falar somente da minha terra.
De ABRAGÃO. Somente doze quilómetros de Penafiel separam a Europa do paraíso, o meu paraíso. Quem sabe um dia a saudade não me invada de tal forma que me sinta obrigado a regressar às raízes, à terra que um dia me viu nascer e me acolheu cravando-me suas marcas na minha mente e quem tanto devo por manter sempre as portas abertas aos filhos que um dia partiram e tanto se esforça por manter viva dentro de cada um de nós aquela imagem de terra-mãe.